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Após tragédia, governo e Congresso querem regulamentar balonismo no país

Correio Braziliense | 29/06/2025 16:35
Natália Chaves/NSC TV
Natália Chaves/NSC TV

Acidente de balão que matou oito pessoas em SC expõe vazio legal na atividade turística e pressiona governo e Congresso por regulamentação

A queda de um balão em Praia Grande (SC), no último dia 21, que resultou na morte de oito pessoas e deixou outras 13 feridas, gerou comoção nacional — e escancarou uma lacuna regulatória ignorada por mais de uma década. Em meio ao luto e à paralisação de parte do turismo no extremo sul catarinense, o episódio pressionou o governo federal e o Congresso Nacional a acelerarem medidas para normatizar o balonismo no país, até então tratado como atividade aerodesportiva, sem exigência de licenciamento turístico, certificação técnica ou inspeção regular das aeronaves.

O Ministério do Turismo confirmou, em nota, que vai avançar em reuniões com representantes do setor para discutir a elaboração de regras claras e específicas. "A expectativa é de que, já na próxima semana, haja um avanço significativo nesse processo", informou a pasta, que reconhece estar tratando do tema apenas desde o início deste ano — apesar da crescente popularização da prática e da pressão de municípios diretamente envolvidos com a atividade.

Hoje, balões turísticos operam no Brasil "por conta e risco dos envolvidos", segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O órgão admite que não há, atualmente, qualquer tipo de habilitação técnica exigida para pilotos de balão de ar quente, nem regulamentação para certificar a segurança das operações voltadas ao turismo.

No Congresso, o tom mudou. O senador Esperidião Amin (PP-SC) abriu diálogo com a presidência da Anac e deve reunir-se na próxima semana com representantes da agência. "Precisamos entender o que depende de alteração legal e o que cabe à regulamentação técnica. Há um movimento de parlamentares para apresentar projetos de lei, mas é preciso equilíbrio e, acima de tudo, foco na segurança", disse.

O senador destacou que a Anac vem estudando modelos internacionais desde dezembro, mas cobra mais celeridade. "A população precisa de uma resposta. É um setor que cresceu muito e, agora, ficou exposto à própria sorte."

Já o senador Jorge Seif (PL-SC) foi mais direto: "Três acidentes com balões em uma única semana (veja quadro). Isso exige resposta imediata do poder público. Precisamos discutir com seriedade a regulamentação e segurança do balonismo turístico no Brasil."

Dois dias após o acidente, a deputada federal Daniela do Waguinho (União-RJ) apresentou um projeto de lei que busca estabelecer regras específicas para o balonismo tripulado. A proposta ainda aguarda despacho da presidência da Câmara dos Deputados.

O Correio também procurou a assessoria do deputado Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), que preside a Comissão de Turismo na Câmara dos Deputados, mas foi informado que não poderia ser atendido pois o parlamentar estaria em agenda local juntamente com o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).

O setor de balonismo segue à margem da legislação federal. Nem a pasta do Turismo, nem a Anac, nem o Congresso têm uma estrutura normativa voltada especificamente para o esporte aéreo. A Confederação Brasileira de Balonismo, por sua vez, comentou, em nota, que não tem competência legal para fiscalizar empresas do setor, limitando-se à promoção esportiva da atividade.

Consumidor

Por conta da lacuna regulatória, outra questão que fica ao léu é a responsabilidade da empresa em relação a quem paga pela atividade. A vice-presidente da Comissão de Direito do Consumidor e Educação para o Consumo da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF), Ângela Pinheiro, explica que o Código de Defesa do Consumidor "incide integralmente" sobre a relação contratual entre as empresas de turismo de aventura e seus clientes.

"A partir dessa premissa, o praticante é considerado consumidor vulnerável, titular de todos os direitos básicos previstos no artigo 6º, entre eles a proteção à vida, à saúde e à segurança, a informação adequada e a reparação integral de danos patrimoniais e morais. As empresas somente podem oferecer a atividade se o serviço for efetivamente seguro, devendo alertar, de maneira clara e prévia, sobre riscos residuais inevitáveis", explicou.

A advogada alerta para que os consumidores verifiquem se a empresa está cadastrada no Cadastur. Junto, ela recomenda solicitar provas de conformidade às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), confirmar a habilitação e experiência do piloto ou guia, examinar visualmente o estado dos equipamentos, fazer perguntas sobre os protocolos de segurança, guardar a documentação e registros de comunicação e, se possível, contratar seguros que cubram atividades de risco.

Enquanto a burocracia se move em Brasília, o clima em Praia Grande é de paralisia e comoção. Com o fim do luto oficial na última quinta-feira, as empresas receberam o aval para poderem voltar com os voos turísticos, mas ainda há forte resistência de parte do setor, segundo o presidente da Associação de Pilotos de Balão de Praia Grande, Murilo Pereira Gonçalves.

Segundo ele, entre 60% e 70% das reservas foram canceladas desde o acidente. "Não é possível mensurar o prejuízo — pelas vidas perdidas e pelo impacto humano. Mais de 500 pessoas dependem diretamente do balonismo na cidade", afirmou.

Segurança

Gonçalves defende a regulamentação da atividade e já articula, com outros empresários locais, a criação de um protocolo operacional com normas padronizadas. "Há mais de 10 anos pedimos regras claras. O que queremos agora é um marco de segurança. Todo balão tem extintor, mas é preciso checar se estão em dia. Queremos mais rigor na fiscalização", declarou.

Ângela Pinheiro lembra que, nesse tipo de turismo, é obrigatório o repasse de informações prévias, completas, inteligíveis e ostensivas quanto à atividade a ser praticada. Segundo ela, a assinatura de um termo padrão é insuficiente, e é "indispensável" que a empresa demonstre ter instruído de maneira efetiva cada participante, com briefings de segurança, fornecendo equipamentos adequados e que medidas compatíveis com o risco sejam adotadas.

"As empresas somente podem oferecer a atividade se o serviço for efetivamente seguro, devendo alertar, de maneira clara e prévia, sobre riscos residuais inevitáveis. Toda dúvida interpretativa se resolve a favor do consumidor, reforçando o caráter protetivo do CDC", explicou.

A advogada também destaca que, no turismo de aventura, "qualquer falha em equipamentos, deficiência na qualificação da equipe ou inadequação das condições de segurança caracteriza defeito do serviço, nos termos do artigo 14 do CDC (Código de Defesa do Consumidor)".

Para aumentar a segurança do consumidor, reforçou a especialista, é necessário tornar obrigatória a adoção das normas ABNT de gestão de risco, com auditorias independentes e um sistema nacional de notificação de incidentes.

Homenagem

Um ato em homenagem às oito vítimas do acidente em Santa Catarina foi organizado pela Associação de Pilotos e Empresas de Balonismo (Avibaq), com apoio da secretaria de turismo da prefeitura local. Houve a presença de um pastor, que disse palavras de conforto para os presentes. Os participantes, de mãos dadas, soltaram oito balões brancos, cada um com o nome de uma das vítimas fatais. Segundo informações da Prefeitura de Praia Grande, participaram do ato "balonistas, empresários do setor e representantes do trade turístico".

*Estagiário sob a supervisão de Andreia Castro

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