O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia que a derrubada do projeto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pelo Congresso, na noite de quarta-feira, 25, foi o sinal mais forte de que a centro-direita tenta enfraquecer o governo para as eleições de 2026. Há, porém, uma divergência interna sobre qual deve ser o tom da reação.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a titular da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, querem que a AGU (Advocacia-Geral da União) ingresse no STF (Supremo Tribunal Federal) com o argumento de que o projeto aprovado no Parlamento é inconstitucional, interpretação que divide especialistas ouvidos pela IstoÉ.
Na outra ponta, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, é contra: alega que uma iniciativa desse tipo pode ser interpretada como declaração de guerra do governo ao Congresso. O ministro teme que um recurso ao STF, neste momento, tenha como consequência novas derrotas do Palácio do Planalto no Legislativo.
Foi o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), quem decidiu que era hora de levar ao plenário o projeto para barrar as mudanças propostas pela equipe econômica no IOF. Alcolumbre combinou o jogo diretamente com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que anunciou a decisão no X (antigo Twitter) às 23h35 de terça-feira, 24, surpreendendo o Planalto.
Desde a semana passada, no entanto, a briga entre as altas cúpulas de Legislativo e Executivo aumentou de volume. A portas fechadas, Motta reclamou de Haddad para seus colegas de Esplanada. Além disso, demonstrou incômodo com os elogios do petista a Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara, durante reunião promovida pelo grupo Prerrogativas, em São Paulo; interpretou o afago como uma cutucada na sua direção.
Haddad negou o “fogo amigo”. Chegou a ligar para Motta, mas ele não o atendeu. Alcolumbre, por sua vez, atribuiu a Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia e seu desafeto, a estratégia de jogar no colo do Congresso a culpa pelo aumento da conta de luz. O episódio provoca desgaste e tem potencial para causar prejuízos a deputados e senadores em 2026, ano eleitoral.
Na prática, a energia elétrica vai ficar mais cara porque o Legislativo incluiu “jabutis” — trechos que não têm relação com a proposta original — em um projeto sobre instalação de eólicas offshore (em alto mar). A Frente Nacional de Consumidores de Energia estima um custo adicional de R$ 197 bilhões até 2050, com impacto na inflação e aumento de 3,5% na conta de luz.
Lula havia vetado os “jabutis”, mas o Congresso os reintroduziu no projeto. Alcolumbre e Motta afirmam que tudo estava combinado com o Planalto, tanto que 7 senadores e 63 deputados do PT, partido de Lula, também aprovaram a medida. O governo nega o acordo e decidiu enviar ao Congresso uma Medida Provisória para compensar o aumento da energia elétrica. Alcolumbre atribui a decisão a uma dobradinha entre Silveira e Rui Costa.
O duelo entre o presidente do Senado e o ministro de Minas e Energia também inclui a disputa por indicações para agências reguladoras. O cabo de guerra é sobretudo pela ocupação de diretorias da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e da ANP (Agência Nacional do Petróleo).
A insatisfação dos parlamentares com o governo, no entanto, não para por aí e um dos capítulos mais visíveis desse confronto é a falta de pagamento das emendas parlamentares.
Responsável pela articulação política, Gleisi Hoffmann contesta que haja uma ação deliberada do Planalto para segurar as emendas. A ministra chegou até mesmo a divulgar uma tabela para mostrar que, neste ano, o nível de execução dos valores do Orçamento está mais acelerado do que em 2023 e 2024.
Nesta sexta-feira, 27, o ministro do STF Flávio Dino também comandou uma audiência pública para tratar justamente das emendas impositivas. Alcolumbre e Motta participariam da sessão, mas desistiram na última hora e enviaram representantes. Dino é o relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que investiga irregularidades na destinação desses recursos.
Deputados e senadores reclamam que o governo tem segurado a liberação do dinheiro e muitos veem uma aliança entre Lula e Dino, que foi ministro da Justiça e da Segurança Pública e é um aliado histórico do petista. O Planalto sustenta que não há qualquer jogo combinado com o STF.
“O clima está muito ruim e o descontentamento é por causa do descumprimento de acordos”, disse o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), ex-aliado de Lula que afirmou à IstoÉ não ter o desejo de apoiá-lo novamente em 2026. “O governo usa o STF contra o Congresso para não pagar emendas e acha que a gente não percebe”.
Haddad avisou que, sem a arrecadação de R$ 10 bilhões prevista com o aumento do IOF, o governo precisará fazer novo contingenciamento de gastos. A conta inclui o bloqueio de emendas.
“Não há problema nenhum em contingenciar emendas”, afirmou o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL). “O problema é que o governo tem sido reativo, em desconexão total com a classe média”, completou.
Uma nova campanha postada nas redes sociais por Lula e ministros dá pistas sobre o discurso para 2026. A tentativa frustrada do governo de elevar o IOF é tratada como justiça tributária — “quem tem mais, paga mais” –, e não aumento de imposto.
Partidos do Centrão, como o PP, o Republicanos e o União Brasil articulam uma candidatura de oposição a Lula, mesmo chefiando ministérios. Com o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível até 2030, os três partidos consideram que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pode ser esse nome.
Para o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), o troco dado pelo Congresso no Planalto não se deve a um só fator, mas, sim, ao “conjunto da obra” e à “inércia” do governo. “Não vamos ser hipócritas. Os deputados começaram a se preocupar porque tem eleição no ano que vem. Os prefeitos dependem do pagamento das emendas e estão desesperados”, afirmou.
No pacote de alfinetadas, o Senado também aprovou, na noite de quarta-feira, 25, o aumento do número de deputados, dos atuais 513 para 531. A medida, que já havia recebido sinal verde da Câmara, terá efeito cascata nas Assembleias Legislativas dos estados.
“Aprovaram aqui no Congresso o arcabouço fiscal, agora estão derrubando tudo e a gente é que tem de cumprir?“, provocou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), após a votação que barrou o aumento do IOF. “É evidente que vai ter corte de gastos.”
Sob a alegação de que o Congresso rompeu o acordo com o Planalto, mesmo após Lula ter editado outro decreto, “mais suave”, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), tentou amenizar a derrota: “Sou daqueles que acham que é um dia após o outro. Não tem sangria desatada nem o mundo vai acabar por causa dessa votação”.