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Extraordinariamente Comum

Claudevan Almeida | 14/05/2025 22:28
Créditos: Divulgação
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O céu ainda estava azul-acinzentado quando o primeiro canto de pássaro cortou o silêncio da manhã. Era um daqueles dias em que tudo parecia igual — a xícara com café morno, o som da água do chuveiro ao longe, o mesmo caminho percorrido entre os cômodos da casa. Mas algo no ar me dizia que havia beleza escondida na repetição.

Enquanto lia um trecho antigo das Escrituras, meu coração desacelerou e parou nessas palavras:

"Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Não há discursos nem palavras não se ouve nenhum som, no entanto a voz dos céus se espalha pelo mundo inteiro e suas palavras enchem a terra..." (Salmo 19:2-4)

Foi como se um sussurro me puxasse para dentro de um tempo esquecido. Lembrei da infância, da simplicidade de acompanhar meu avô à feira. A rua molhada de orvalho, o cheiro das frutas, o som da conversa entre feirantes. Caminhar de mãos dadas com ele era mais do que segurança: era direção. Escolher as bananas certas com olhos atentos e ouvir seus conselhos sobre paciência, respeito e alegria na simplicidade.... Tudo isso parecia ordinário (comum) na época, mas hoje vejo: era extraordinário.

Ao voltar, entregávamos o tesouro à minha avó. E ela, com uma precisão quase sagrada, cortava cada banana, alinhava os ingredientes, mexia o tacho. O cheirinho do doce de banana tomava conta da casa. Não era apenas o sabor — era a espera. A expectativa. O cheiro invadindo os cômodos. A bronca carinhosa para não provar antes da hora.

Hoje, tantos doces prontos, perfeitos, rápidos. Mas nenhum com o mesmo sabor. Porque nenhum deles foi feito naquele contexto. Nenhum deles guarda os silêncios, os gestos, os sorrisos e o tempo que tudo aquilo envolvia.

E tudo isso na lembrança onde o dia ainda nem havia nascido por completo. O barulho da chaleira no fogão, o cheiro do pão amanhecido tostando na frigideira, os primeiros raios de luz riscando o chão pela janela — tudo era como sempre foi. No entanto, naquele momento, senti algo sussurrando dentro de mim: Deus ainda fala. Não por trovões, mas por detalhes.

Ele fala nos intervalos. No barulho da água descendo pelo filtro de barro. No som do portão abrindo de manhã. No respirar de alguém dormindo ao lado. São pequenas vozes dizendo: “Estou convosco todos os dias.”

O Deus eterno Não Trocou Fraldas com os Anjos

É assim com Deus. Ele poderia ter vindo com um exército de anjos, em nuvens de glória e relâmpagos. Mas escolheu o caminho da simplicidade. eis um sinal encontrareis um menino envolto em panos num manjedoura. Chorou no colo de Maria. Precisou ser amamentado. Teve cólicas, aprendeu a andar, caiu, ralou os joelhos. Foi ao mercado com a mãe. Ajudava a varrer o chão. Tinha preferências, gostava de ouvir histórias. Cresceu numa vila esquecida, entre poeira e peixe. Era carpinteiro, como o pai. Serrava madeira, ajudava em casa, ia às festas, escutava as conversas do povo. Sentiu sede, fome, cansaço. Foi tentado, foi desprezado, incompreendido. Observava a vida com olhos cheios de eternidade. E ninguém percebia o verbo eterno estava entre nós e se tornou um de nós.

E mesmo assim, nunca pecou. Nunca perdeu a doçura. Caminhava entre os pobres, comia com os rejeitados, curava com toque, com olhar, com palavras simples.

O Ordinário Como Caminho de Glória

Quando Jesus começou a ensinar, não usou vocabulário celestial. Falava sobre semear, pescar, cuidar de ovelhas, perder uma moeda em casa, fazer pão. Seus exemplos eram do cotidiano. Ele mesmo disse: “Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós.”

Ele sentia sede e pedia água. Tinha sono e dormia em barcos. Sentia cansaço e se retirava para orar sozinho. Também ficou triste, chateado, foi traído, incompreendido, zombado. mas nunca pecou.

E antes de entregar-se, Ele ainda nos ensinou o valor do cotidiano. Lavou os pés dos discípulos. Um por um. Não delegou. Se abaixou. Tocou a poeira de cada caminho. Depois, à mesa, tomou o pão e o partiu. Pegou o cálice e o ofereceu. Gesto simples, mas eterno. A ceia da nova aliança. Ali, entre amigos imperfeitos, Ele selou o maior plano divino com gestos comuns. Lavou, partiu, entregou. E ensinou que o Reino de Deus se manifesta assim: no servir, no partir, no amar.

Muitos esperavam sinais celestiais, mas Ele ofereceu o sinal de Jonas — três dias e três noites na terra. Mesmo diante da morte — algo tão comum desde a queda — Ele entrou nela como quem aceita o caminho proposto. Um plano grandioso, envolto em silêncio e cruz. Ele venceu a morte, e agora o comum se tornou eterno.

O Milagre do Cotidiano

Assim também é com Deus. Ele ainda caminha conosco até a feira. Está com sua mão segurando a nossa, nas conversas simples, nas orações breves, no respirar profundo diante da luta do dia.

Não precisamos de um novo sinal. O sinal foi dado. O Verbo se fez carne. O pão foi partido. A cruz foi levantada.

O milagre, hoje, é viver com Ele. É acordar com mais uma chance de ser transformado. Tomar a cruz de cada dia.

Nosso crescimento não é súbito. É como a luz da aurora. Vai clareando, até ser dia perfeito. E, nesse processo, descobrimos que o extraordinário está mesmo em perceber Deus no comum.

Hoje, cada passo nosso, cada refeição, cada escolha simples pode se tornar um altar — se for feito com Ele. Porque o extraordinário continua se vestindo de comum. Todos os dias.

 

Texto para meditação: “Segunda vez, falou a voz do céu: Ao que Deus purificou não consideres comum.” (Atos 11:9)

Vc considera comum a purificação da sua vida?

Música: Aquece o meu amor. Márcio Santos.

 

 

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