O sonho do título mundial era algo palpável para o torcedor brasileiro até o início dos anos 2000. Desde então, no entanto, a distância para o topo só cresceu. O futebol europeu virou uma potência financeira global e o principal destino dos talentos sul-americanos — uma escalada difícil de acompanhar. Seja qual for a métrica, o abismo técnico e estrutural entre continentes aparece. Com o início ontem do novo Mundial de Clubes da Fifa, que reúne 32 equipes, o desafio de quebrar essa hegemonia parece maior do que nunca.
Levantamento feito pelo GLOBO mostra um verdadeiro oceano entre Palmeiras, Botafogo, Flamengo e Fluminense e os gigantes europeus — com exceção do austríaco RB Salzburg, que ficou fora da comparação por estar em patamar abaixo.
É que, claro, há gradações dentro da Europa. O Real Madrid lidera os rankings de faturamento e valor de elenco. Já o Porto, adversário do Palmeiras nesta sexta, às 19h, em Nova Jersey, sequer aparece entre os 30 clubes mais ricos da temporada, segundo a Deloitte. Ainda assim, tem números que o colocam acima dos brasileiros.
Sob o comando de Martín Anselmi, o elenco do clube português é avaliado em 327 milhões de euros (R$ 2,12 bilhões), contra 238 milhões (R$ 1,5 bilhão) do Palmeiras. O time de Abel Ferreira, mais valioso entre os brasileiros, também fica atrás no orçamento: 189 milhões de euros (R$ 1,2 bilhão). Já o Porto enfrenta uma fase de queda de receitas e prejuízos, após não se classificar para a última Liga dos Campeões — cenário que o empurra para estratégias semelhantes às do futebol brasileiro: vender jovens jogadores.
Mesmo com realidades diferentes, alguns números aproximam Brasil e Portugal. Segundo a SportingPedia, o Brasileirão é a sexta liga mais valiosa do mundo, à frente da portuguesa: 1,63 bilhão de euros contra 1,59 bi. Ainda assim, o topo é dominado pelas cinco grandes ligas europeias. A Premier League, por exemplo, vale mais que o dobro da La Liga espanhola: 11,77 bilhões de euros.
Dentro de campo, o contexto também pesa. Os brasileiros encaram o torneio como prioridade absoluta, enquanto os europeus entram em fase de férias. Isso, junto à estrutura física e mental exigida ao longo da temporada, pode influenciar o desempenho. Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports Brasil, resume bem:
— O futebol brasileiro exige que os clubes atuem com padrão muito superior ao disponível. Viagens longas, calendário desgastante, clima diferente, menos tempo de recuperação e estruturas limitadas impedem que nosso nível de jogo se equipare ao europeu — afirma.
O novo formato do Mundial — com 32 clubes — escancara desigualdades que o modelo anterior mascarava. Antes, o representante europeu entrava direto na semifinal ou final. Agora, disputará mais partidas. E esse choque de mundos fica evidente em duelos como o do Bayern de Munique contra o Auckland City, da Nova Zelândia, que abre a programação de jogos hoje às 13h, de Brasília: enquanto os alemães estão entre os cinco elencos mais caros do planeta, os neozelandeses são um time semiprofissional avaliado em apenas 5,2 milhões de euros — valor 165 vezes menor.
O Auckland também é o último no ranking de jogadores convocados para seleções no último ano: nenhum. No topo da lista, os clubes europeus somam 150 atletas. Só esse grupo poderia montar mais de seis seleções. Um dos únicos times fora da Europa nesse patamar é o Al-Hilal, da Arábia Saudita, que mescla estrelas internacionais e jogadores da seleção local.
Os brasileiros, por sua vez, somam 23 convocados nos últimos 12 meses — todos por seleções sul-americanas. O Flamengo é o que mais contribuiu, com oito atletas. O Manchester City, por exemplo, teve 21 jogadores chamados por seleções no mesmo período.
Domínio local na América do Sul
O fortalecimento recente do futebol brasileiro, com clubes ultrapassando a casa do bilhão em faturamento, consolidou o domínio na América do Sul. São quatro brasileiros na Copa do Mundo de Clubes, contra dois argentinos — um sinal claro de força local. Mas essa vantagem pode ser enganosa ao se comparar com os gigantes do esporte.
É verdade que Flamengo e Palmeiras estão menos distantes dos europeus em valor de mercado. Mas essa diferença ainda é de quatro a cinco vezes. Por outro lado, clubes como Botafogo, Fluminense, os argentinos e o Al-Hilal estão em faixas próximas.
E a história recente mostra que a desigualdade financeira nem sempre garante vitórias. Desde 2005, apenas três clubes brasileiros conquistaram o Mundial: São Paulo, Internacional e Corinthians. Em diversas edições, brasileiros foram eliminados por equipes africanas, mexicanas ou asiáticas — como Tigres, Al-Hilal e Pachuca. Mesmo nas vitórias, o domínio técnico raramente foi absoluto.
— Hoje não é razoável acreditar que, se os mexicanos voltarem à Libertadores, o Brasil continuará vencendo com facilidade — conclui Freitas. — Muito menos contra africanos ou asiáticos.