A pouco mais de nove dias do primeiro turno das eleições municipais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) seguiram a mesma estratégia para a participação nas campanhas: participar o mínimo possível. Ambos mantêm seus apoios formais aos candidatos, mas evitam as agendas públicas.
A estratégia vai na contramão de quase todas as eleições municipais. No mundo político, as plenárias locais são vistas como as mais importantes, já que é um termômetro para as eleições gerais. O apoio dos prefeitos eleitos e dos vereadores, que são os mais próximos da população, acaba assumindo o protagonismo nas campanhas.
Nas negociações para a costura alianças, Lula e Bolsonaro impuseram suas condições e colocaram o apoio para as eleições de 2026 como prioridade — mas evitaram aparecer nas campanhas.
Os dois “fantasmas” incomodam as campanhas, embora haja a tendência desses apoios se intensificarem no segundo turno.
Lula, por exemplo, só participou presencialmente nas agendas de São Paulo (SP), São Bernardo do Campo (SP) e Osasco (SP). Nas duas últimas cidades, o petista esteve mais presente nas pré-campanhas, mas assumiu um protagonismo nas propagandas eleitorais e nos chamados santinhos.
Na campanha de Guilherme Boulos (PSOL), Lula participou de apenas dois comícios: um na Zona Leste e outro na Zona Sul, logo no começo da corrida eleitoral. Já na pré-campanha, além de articular a indicação da vice, Marta Suplicy (PT), o petista marcou presença na convenção que decretou o nome do deputado na disputa pelo Edifício Matarazzo.
A equipe de Boulos esperava mais do presidente. O candidato do PSOL tenta de todas as formas vincular sua imagem à do petista e via a participação de Lula nas agendas como fundamental.
Paralelo a isso, os estrategistas do deputado veem uma divisão dos votos do petista e, principalmente, a necessidade de aumentar o apoio nas periferias. Para tentar crescer nessas regiões, Guilherme Boulos contava com a presença de Lula em duas agendas no sábado, 28, mas o presidente recuou para ir ao México neste domingo, 29, incomodando alguns correligionários do psolista.
Nas demais capitais, Lula evitou eventos, até naquelas em que há boas chances do representante do partido ir ao segundo segundo turno, como em Porto Alegre (RS), que tem Maria do Rosário (PT) na disputa.
O aparente desinteresse do presidente pode ter uma razão que fortalece o governo petista rumo a 2026: os apoios partidários. Em diversas cidades, o PT enfrenta candidatos de partidos aliados ao Planalto, mesmo que esses estejam associados ao bolsonarismo. Essa dinâmica pode, de fato, favorecer a continuidade do governo.
É o caso de São Paulo e Porto Alegre. Ricardo Nunes e Sebastião Melo — ambos buscando a reeleição — são do MDB, que integra a base do governo petista. A legenda possui três ministérios, o que dá ao petista certa tranquilidade na Câmara dos Deputados.
Em Belo Horizonte, o cenário é parecido. Com Rogério Correia (PT-MG) na disputa, Lula tem dois adversários que fazem parte da sua base aliada. Mauro Tramonte é do Republicanos, que, mesmo não pertencendo oficialmente à base do governo, tem uma bancada com bom nível de governismo. Outro caso é o de Fuad Noman, do PSD de Gilberto Kassab, um aliado de Lula visto como peça-chave em algumas articulações.
“No caso do Lula, o problema é que existe um segundo fator. Ele precisa de apoio no Congresso Nacional, e aproximar sua imagem a um candidato de esquerda o distancia da consolidação de uma base de maioria no Congresso. Por isso são situações delicadas”, afirma Pedro Ramirez, cientista político e professor de sociologia da ESPM.
Na avaliação de Robson Carvalho, pesquisador do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Lula evitou as agendas para focar nas prioridades do governo para conseguir alçar um possível quarto mandato. O especialista ainda cita o foco de Lula nas relações internacionais, já que presidirá o G-20.
“De fato, as eleições municipais são as mais importantes, pois constituem a bases dos políticos. Elas são fundamentais sobretudo pensando na eleição de 2026, quando os deputados, senadores, governadores e presidente precisarão movimentar suas bases para conseguirem se eleger. O foco, realmente, deveria ser maior nesse pleito”, explica.
“Lula conta com um tempo muito curto e adverso. Além dos apoios no Congresso, ele tem que correr para entregar todas as suas promessas para conseguir se consolidar em uma possível candidatura à reeleição. Ao mesmo tempo, na vertente política internacional, o Brasil ocupa a presidência do G20 e já ocupou outras presidências nos últimos anos. Há um redimensionamento da geopolítica global, em que os países do Sul estão assumindo cada vez mais um certo protagonismo”, completa Carvalho.
O movimento do ex-presidente Jair Bolsonaro se assemelha ao de Lula. Ele tem preferido gravar propagandas eleitorais do que acompanhar as agendas.
Nem seu principal cabo político, o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), conseguiu convencer Bolsonaro a participar ativamente dos eventos. Para conseguir colar seu nome ao do ex-presidente, Ramagem aposta na propaganda de rádio e TV e nas agendas com o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro.
Mesmo inelegível, Jair Bolsonaro nutre a expectativa de reverter as condenações e conseguir se lançar candidato. A estratégia ainda atende à necessidade de manter uma direita fragmentada em torno de seu nome.
“Existe uma fragmentação em relação aos partidos que formam o espectro da direita. Se Bolsonaro apoiar um ou outro, pode acabar prejudicando um eventual acordo para ter apoio em 2026. E se ele não for o nome, pode prejudicar seu sucessor”, explica Ramirez.
“No caso específico do Bolsonaro, o que estranha é o fato de que ele está fora do poder e tem 100% do seu tempo livre. Ele não está rodando o país. Ele fazia isso [rodar o país em prol de aliados] mesmo quando estava na presidência da República”, avalia Carvalho.
Em São Paulo, o ex-presidente tem participação pífia. Apenas esteve presente na convenção de Ricardo Nunes (MDB) em agosto, e não participou de nenhuma agenda. Além disso, fez poucas gravações para publicidade do atual prefeito.
Um dos motivos é a fragmentação de seus aliados em São Paulo. Mesmo com apoio oficial a Nunes, os bolsonaristas estão com um pé e meio na campanha de Pablo Marçal (PRTB), que tem se colocado como um antissistema, nos mesmos moldes de Bolsonaro em 2018.
“Acho que há um certo receio de que seus candidatos acabem perdendo as eleições. Isso pode negativar sua imagem e desvalorizar seu capital político. Por outro lado, vejo uma sinalização de que a forma e o modus operandi do discurso dele podem estar cansando o eleitorado.”, opina o pesquisador da UnB.
Outro fator destacado na campanha de Nunes é a tentativa do emedebista de dissociar sua imagem da do ex-presidente. No início da campanha, Bolsonaro buscava permanecer nas entrelinhas, enquanto Nunes tentava deixar o ex-chefe do Planalto em “banho-maria”.
Conforme as pesquisas de opinião foram colocando Marçal a sua frente, o atual prefeito passou a abraçar ideias bolsonaristas, ainda que de forma velada. O que salvou o prefeito de um possível desastre foi o início da propaganda partidária obrigatória.
“Nunes, que é o candidato que tem oficialmente o apoio de Bolsonaro, tenta esconder que vinha tentando escondê-lo. Acredito que isso se deva a um certo desgaste que afasta o eleitorado de centro, resultante da ressaca da polarização da eleição anterior. Com isso, Marçal acaba crescendo exatamente com o mesmo discurso que Bolsonaro tinha quando se lançou à presidência: o de um antissistema. Só que Bolsonaro não é antissistema, e vemos isso mais do que nunca nos dias de hoje”, afirma Robson Carvalho.
“Acho que aqui cabe uma reflexão político-filosófica. Esse discurso mais ao extremo é uma fidelidade mesmo ao Bolsonaro ou uma ação dos candidatos para conseguir atrair aquele público específico? Olha o efeito Marçal. Ele utiliza exatamente o mesmo discurso que Bolsonaro usou em 2018”, ressalta.
Pedro Ramirez vê um impacto importante na falta de ambos nas campanhas nas capitais. Entretanto, ele enxerga alta possibilidade das participações aumentarem no segundo turno, quando a disputa se afunila
“Esse método abre brechas para a ascensão de votos de outros candidatos, comono caso do Marçal, e, querendo ou não, acaba resvalando na Tabata, que chegou a 8%. Então, essa falta de participação mais ativa acaba prejudicando”, declarou.
“Me parece que tanto o Lula quanto o Bolsonaro serão mais protagonistas no segundo turno, quando, por terem dois partidos concorrendo, a polarização fica mais evidente e, consequentemente, a participação deles será mais ativa”.
Sem os dois principais personagens nas disputas municipais, novos protagonistas surgiram para alavancar as campanhas dos correligionários. Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, três lideranças resolveram tomar a frente de campanhas para conseguir emplacar aliados.
Ao contrário de Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin acabou sendo participativo nas agendas de Tabata Amaral (PSB). Ele compareceu em ao menos quatro agendas, contando as deste fim de semana.
Outro que mergulhou de cabeça na campanha de Tabata foi o ministro do Empreendedorismo, Márcio França. No caso dele, há um interesse duplo na candidatura da deputada.
França é uma das principais lideranças do PSB no estado e financiou a candidatura da parlamentar para concorrer à cadeira do Edifício Matarazzo. Participou de agendas importantes e foi figurinha carimbada em alguns debates. Ele ainda tem sua esposa, a professora Lúcia França, como vice na chapa.
Mas o maior padrinho político nas eleições deste ano é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mesmo com a gafe cometida ao pedir voto útil, Tarcísio financiou a candidatura de Ricardo Nunes com unhas e dentes.
Além de articular a maioria dos apoios, inclusive a de Bolsonaro, o chefe do Palácio dos Bandeirantes participou das principais agendas do candidato à reeleição. Na reta final, Tarcísio intensificou suas presenças em eventos ao lado de Nunes para tentar alavancar o prefeito e garantir uma vaga no segundo turno.
“O Tarcísio tem aparecido muito mais na campanha do Ricardo Nunes aqui em São Paulo do que o próprio Bolsonaro. O Tarcísio, sim, consegue fazer sua transferência de votos para o Nunes”, avalia Ramirez.