Cientistas que passaram anos pulverizando ocitocina no nariz dos leões descobriram que os grandes felinos se tornaram muito mais amigáveis com seus vizinhos e menos propensos a rugir para estranhos quando receberam o chamado "hormônio do amor".
Os resultados, publicados na revista iScience na quarta-feira (30), podem contribuir significativamente para os esforços de conservação, já que a expansão urbana força mais exemplares a viverem juntos em reservas.
"Sempre gostei de leões", disse à AFP a neurocientista e principal autora do estudo, Jessica Burkhart, explicando que se envolveu na pesquisa porque se cansou de examinar os cérebros dos animais em laboratório e queria estudá-los na vida real.
Os felinos em geral têm a reputação de serem independentes, mas os leões, por outro lado, vivem socialmente em bandos enquanto conquistam e defendem territórios valiosos na savana africana.
"Se você pensar em leões machos, por exemplo, eles deixarão o bando quando tiverem alguns anos e se depararão com outros leões machos que eles não conhecem e com os quais não são parentes, e eles se unirão por toda a vida", disse Burkhart.
Esses tipos de comportamentos indicaram que os leões, ao contrário de guepardos solitários ou leopardos, são biologicamente programados para serem sociais em algumas situações, tornando-os uma espécie interessante para estudar o efeito da ocitocina.
Nos mamíferos, a ocitocina é a principal molécula que fortalece os laços sociais. Às vezes chamado de hormônio do carinho, é produzido no cérebro da mãe quando ela olha nos olhos do recém-nascido, gerando sentimentos de bem-estar e felicidade, enquanto ajuda o bebê a buscar seu seio para mamar.
Efeitos semelhantes foram documentados em outras espécies e também entre cães e seus tutores. Os terapeutas até sugerem que casais com problemas podem se beneficiar do aumento do contato visual, que libera ocitocina.
Trabalhando em uma reserva de vida selvagem em Dinokeng, África do Sul, nos verões de 2018 e 2019, Burkhart e colegas da Universidade de Minnesota realizaram um teste usando pedaços de carne crua para atrair leões para uma cerca.
O hormônio foi pulverizado nos narizes dos felinos usando um instrumento semelhante a um frasco de perfume antigo, de modo que viajasse diretamente para o cérebro. Após o tratamento, os 23 leões que receberam ocitocina tornaram-se mais tolerantes com os outros leões em seu espaço.
Isso foi medido observando o quão perto um leão que está de posse de um objeto desejado, neste caso um brinquedo, permite que outros se aproximem dele.
"Depois que os leões foram tratados com ocitocina e demos a eles seu brinquedo favorito , vimos que a distância média entre eles diminuiu de cerca de sete metros sem tratamento para cerca de 3,5 metros depois que lhes demos a ocitocina", disse Burkhart.
Os leões também não responderam quando os rugidos gravados de intrusos desconhecidos foram reproduzidos, ao contrário dos do grupo de controle que não foram pulverizados com nada ou foram pulverizados com solução salina.
Reduzir a hostilidade em relação a estranhos foi uma descoberta especialmente encorajadora, disse Burkhart, porque a ocitocina é conhecida por ter um lado sombrio em humanos: embora promova sentimentos positivos entre os membros de um grupo, pode aumentar a rivalidade com estranhos.
O tratamento pode ser útil em vários cenários, explicou a neurocientista. Primeiro, poderia ajudar leões resgatados de situações abusivas, como circos ou zoológicos em zonas de guerra, a coexistirem em santuários.
Em segundo lugar, à medida que as cidades na África se expandem e invadem o território dos leões, os conservacionistas são forçados a transportar os animais para reservas particulares onde estão alojados bandos desconhecidos, e a ocitocina pode ajudar a prevenir conflitos.
Também pode ajudar as realocações na natureza, ajudando os leões a se tornarem "mais aptos ao seu novo ambiente social por serem mais curiosos e menos temerosos, levando a uma ligação mais bem-sucedida", disse Burkhart.
Um temor é que pessoas sem escrúpulos como o infame Joe Exotic, da "Máfia dos Tigres", possam usar o produto químico para administrar zoológicos que promovem o abraço de filhotes, muito criticado por defensores do bem-estar animal.
"A verdade é que as pessoas são corruptas... mas espero que neste caso ajude mais do que machuque", disse Burkhart.