O ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araghchi, afirmou que os Estados Unidos e Israel "decidiram explodir" a diplomacia com os ataques às instalações nucleares de seu país na madrugada de domingo (noite de sábado no horário de Brasília). Em entrevista coletiva à margem de uma reunião da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), em Istambul, o ministro afirmou ainda que o Irã se defenderá "por todos os meios necessários", após os EUA e Israel terem, segundo ele, cruzado "uma grande linha vermelha".
Detalhes da operação: Ataque dos EUA ao Irã envolveu 125 aeronaves e 75 armas guiadas, incluindo 14 bombas fura-bunker, nunca antes usadas em combate
Fordow: Como é a instalação secreta nuclear do Irã e o quão difícil é destruí-la?
— A República Islâmica do Irã continuará a defender seu território, sua soberania, sua segurança e seu povo por todos os meios necessários — disse. — Não há linha vermelha que eles não tenham cruzado. E a última, e mais perigosa, (...) foi ontem à noite. Eles cruzaram uma grande linha vermelha ao atacar instalações nucleares.
Araghchi afirmou ainda que Trump "traiu o Irã", com o qual estava em negociações nucleares, e "enganou seus próprios eleitores", após fazer campanha com a promessa de acabar com as guerras americanas para sempre.
— Embora o presidente Trump tenha sido eleito com a plataforma de pôr fim ao custoso envolvimento dos Estados Unidos em guerras eternas em nossa parte do mundo, ele traiu não apenas o Irã ao abusar de nosso compromisso com a diplomacia, mas também enganou seus próprios eleitores ao se submeter à missão de um criminoso de guerra procurado que se acostumou a explorar as vidas e a riqueza de cidadãos americanos para promover os objetivos do regime israelense — disse, referindo-se ao premier israelense, Benjamin Netanyahu.
Araghchi falou poucas horas depois de Trump anunciar que aviões de guerra dos EUA haviam atingido três instalações nucleares iranianas, nove dias após o início de uma campanha de bombardeios israelenses contra suas instalações nucleares. Ele reconheceu que não sabe ainda a extensão total dos danos causados pelos ataques, incluindo um na instalação subterrânea de enriquecimento de urânio em Fordow.
— Ainda não tenho informações exatas sobre o nível dos danos, mas não acho que isso importe. O ataque de ontem à noite foi um crime grave — acrescentou. — Por meio dessa ação, os Estados Unidos desferiram um golpe sério à paz e à segurança internacionais.
Após os ataques, Trump disse que o Irã "deve agora concordar em acabar com esta guerra". Araghchi, entretanto, disse que qualquer exigência para retornar às negociações era "irrelevante". E quando questionado sobre possíveis ataques retaliatórios a bases dos EUA no Oriente Médio ou o fechamento do Estreito de Ormuz, rota vital para o transporte de petróleo no Golfo Pérsico, ele respondeu que "há diversas opções disponíveis".
— Meu país está sob ataque, sob agressão, e temos de responder com base em nosso legítimo direito de autodefesa — disse ele na entrevista coletiva. — Nunca confiamos nos países ocidentais quando negociamos com eles, e agora há ainda mais razões pelas quais não deveríamos confiar neles de forma alguma. Vamos aguardar nossa resposta primeiro. E quando a agressão terminar, decidiremos como retomar a diplomacia.
Mais cedo, em uma publicação no X, Araghchi havia dito que Israel "destruiu" as negociações entre Teerã e Washington com seus ataques em 13 de junho, enquanto os Estados Unidos fizeram o mesmo com as negociações com potências europeias esta semana, com seus ataques na madrugada deste domingo.
O chanceler, que disse que vai viajar a Moscou ainda neste domingo para ter "conversas sérias" com o presidente russo, Vladimir Putin, na manhã de segunda-feira, também afirmou que Teerã convocou o Conselho de Segurança da ONU para uma reunião de emergência.
Aliada de longa data do Irã, a Rússia "condenou veementemente" os ataques dos EUA ao país. No primeiro comentário oficial do governo sobre o ataque, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia emitiu um comunicado afirmando que os ataques foram "irresponsáveis" e constituíram uma "grave violação do direito internacional, da Carta da ONU e das resoluções do Conselho de Segurança da ONU".
Após Trump anunciar que as Forças Armadas do país realizaram um "ataque muito bem-sucedido" a três instalações nucleares iranianas, e que agora seria "a hora da paz", a Guarda Revolucionária Iraniana, braço mais poderoso das Forças Armadas do país, reagiu logo depois por meio das suas redes sociais. Em uma publicação no X, o grupo afirmou que "agora a guerra começou para nós". Mais tarde, eles emitiram um comunicado dizendo que uma resposta aos ataques dos Estados Unidos às instalações nucleares iranianas "causará profundo pesar".
"O ato de agressão de hoje do regime terrorista americano concedeu à República Islâmica do Irã o direito legítimo de agir em autodefesa, inclusive por meio de opções que vão além dos cálculos delirantes da coalizão agressora", disse a declaração publicada na agência de notícias Tasnim, afiliada ao Estado iraniano, neste domingo. "O Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica está bem ciente das realidades desta guerra híbrida em grande escala e nunca será intimidado pelo barulho de Trump ou das gangues criminosas que governam Washington e Tel Aviv".
O presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, afirmou neste domingo que a participação dos EUA nos ataques provou seu apoio à ofensiva israelense, motivada pela "impotência de Israel", e também reforçou que o Irã defenderá seu território "com firmeza".
— Esta agressão demonstrou que os Estados Unidos são os principais instigadores das ações hostis do regime sionista contra a República Islâmica do Irã — disse Pezeshkian.
Entenda: Quais foram os indícios de que os EUA entrariam na guerra e os possíveis impactos para Trump?
O ataque dos EUA marcou a entrada oficial de Washington na guerra iniciada por Israel na última quinta-feira (sexta de madrugada no horário local). As ações miraram Natanz, Isfahã e a instalação subterrânea de enriquecimento de urânio em Fordow, considerada o "coração" do programa nuclear de Teerã.
Na sequência dos ataques, o presidente americano fez um discurso à nação às 22h (23h no horário de Brasília), dizendo que "se a paz não chegar logo", perseguirão outros alvos "com precisão, velocidade e habilidade", acrescentando que "a maioria deles pode ser eliminada em questão de minutos". De acordo com a Casa Branca, Washington informou Tel Aviv previamente que realizaria o ataque e, após a sua conclusão, Trump e Netanyahu conversaram por telefone.
O premier israelense, por sua vez, agradeceu em discurso televisionado os ataques americanos às instalações iranianas, dizendo que a ação "mudará a História".
Os ataques "devastaram o programa nuclear iraniano", disse o chefe do Pentágono, Pete Hegseth, neste domingo, destacando que a operação não tinha como objetivo derrubar o regime iraniano. Por sua vez, o vice-presidente americano, JD Vance, reforçou que os ataques foram contra o programa nuclear, não sendo uma guerra contra o Irã, e descartou o envio de tropas terrestres ao país.
Dois dias antes dos ataques, Trump advertiu que Teerã teria "no máximo" duas semanas para evitar possíveis ataques aéreos americanos, enquanto Washington avaliava se deveria se juntar à campanha de bombardeios sem precedentes de Israel. No entanto, em uma reportagem da Reuters publicada no sábado, duas autoridades ouvidas sob condição de anonimato pela agência teriam afirmado que Israel estava pressionando Trump a aproveitar a "janela de oportunidade". O republicano já afirmara, em ocasião anterior, que buscava não um cessar-fogo, mas um "fim real" das tensões.
Segundo a agência de notícias Tasnim, o ataque a Fordow feriu "várias pessoas". A agência citou Morteza Heidari, vice-governador de Qom, a província iraniana onde Fordow está localizada. Até o momento, o local não representa risco de radiação para os moradores, "mesmo aqueles que vivem a menos de 500 metros das instalações", disse o governador de Qom, Akbar Behnamjoo, à Tasnim.
Apesar do temor, nenhum aumento nos níveis de radiação foi detectado nas usinas nucleares do Irã após os bombardeios dos EUA, informou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) neste domingo.
Os eventos deste domingo levaram a uma série de reações internacionais. O secretário-Geral da ONU, António Guterres, chamou os ataques de "uma escalada perigosa em uma região que já está no limite". Seguindo a mesma linha, o Papa Leão XIV afirmou que autoridades têm "responsabilidade moral" de acabar com a guerra.
Reino Unido, França e Alemanha, por sua vez, pediram moderação e soluções diplomáticas após os ataques dos EUA ao Irã.
A China também condenou "firmemente" o ataque, afirmando que eles contribuem para uma "escalada de tensões no Oriente Médio". "A China apela a todas as partes no conflito, especialmente Israel, para que cessem o fogo o mais rápido possível", publicou o Ministério das Relações Exteriores chinês.
Em uma primeira resposta do Irã após os ataques, três áreas de Israel, incluindo o centro costeiro de Tel Aviv, foram atingidas na manhã de domingo durante ondas de ataques com mísseis iranianos, deixando pelo menos 23 feridos, segundo serviços de resgate e a polícia local. Vários prédios foram gravemente danificados na área de Ramat Aviv, em Tel Aviv, com buracos nas fachadas dos prédios de apartamentos.
Pelo menos 50 impactos foram oficialmente reconhecidos em todo o território israelense e 25 pessoas foram mortas desde o início da guerra com o Irã em 13 de junho, segundo dados oficiais. Tel Aviv, a cidade de Bersheba, no Sul, e o porto de Haifa, no Norte, foram as três áreas mais atacadas pelo Irã. As sofisticadas defesas aéreas de Israel interceptaram mais de 450 mísseis, juntamente com cerca de mil drones, de acordo com os dados mais recentes do Exército israelense.