Lívia Gaudencio está festejando seus 15 anos de carreira como roteirista de forma muito especial! A artista é a única mulher na equipe que assina o roteiro da série biográfica “Raul Seixas: Eu Sou”, uma produção do Globoplay, em parceria com a O2 Filmes, sobre o pai do rock brasileiro, que estreou em junho.
Mineira de Belo Horizonte, Lívia ainda tem no currículo o trabalho de colaboração no roteiro do filme “Maria do caritó”, estrelado por Lilia Cabral, a criação e o roteiro da websérie “Steam Girls”, sobre meninas na ciência, e o curta “Lembranças de Barcelona” sobre feminicídio.
Dona e diretora da Gautu Filmes, focada na produção de projetos autorais para o mercado audiovisual, Lívia Gaudencio pretende lançar este ano o curta “Onde está você agora?”, sobre uma mulher que lida com a perda gestacional e, ao mesmo tempo, precisa cuidar da mãe com Alzheimer. Além de protagonizar a produção (que tem uma equipe majoritariamente composta por mulheres), ela ainda é a roteirista e faz codireção.
Antes de mergulhar no mundo dos roteiros, Lívia se dedicou à arte de atuar e hoje comemora uma longa estrada de 25 anos de carreira como atriz. Ela passou por escolas renomadas como a New York University e a Escuela Internacional de Cine y TV, de Cuba. Integrou o elenco do elogiado filme “Batismo de sangue” e da série “A cura”, da Globo.
Os próximos passos nessa jornada pela dramaturgia e audiovisual já estão traçados: a roteirista e atriz vai rodar o Brasil apresentando espetáculos da premiada Companhia O Trem, da qual é diretora artística.
Em entrevista para IstoÉ Gente, Lívia Gaudencio contou como se deu o processo de concepção e produção da série biográfica sobre Raul Seixas, e como tem sido para ela atuar de maneira tão intensa nesse mercado que ainda encontra resistência em abrir espaço para mulheres.
Qual a parte mais fácil de desenvolver um projeto sobre uma personalidade? E a mais difícil?
Acho que a maior facilidade de escrever sobre uma pessoa real, principalmente personalidades que têm muito material nas mídias, é não começar com o papel em branco. A escrita já parte de um senso comum sobre quem é o personagem. Mas acho que o excesso de informações a serem consideradas também pode criar uma limitação criativa quando comparamos às criações cem por cento ficcionais. Pessoalmente, minha dificuldade em escrever sobre pessoas reais é garantir que a história alcance a complexidade que é a psique de um ser humano e respeitar a história de vida daquela pessoa e das outras envolvidas. No caso da série “Raul Seixas: Eu Sou”, eu fiquei extremamente feliz com os depoimentos das filhas dele. A Scarlet Seixas, filha do Raul, publicou nas redes o quanto a série trouxe cura para algumas feridas familiares. Eu tive a oportunidade de falar diretamente com a Vivi Seixas, filha do Raul, e com a Kika Seixas, ex-esposa, e elas estavam muito emocionadas com a série. É muito gratificante criar uma obra artística que promove transformações positivas no mundo real.
E o que descobriu sobre Raul Seixas que ainda desconhecia? Como foi o processo de pesquisa?
Acho que o lado família do Raul é o que mais surpreende por não estar na mídia. O Raul era um pai carinhoso e sofreu muito a cada separação das esposas e, principalmente das filhas. A pesquisa foi constante através de livros biográficos, entrevistas com pessoas próximas e todo o material disponível na mídia. Outra coisa que eu fazia muito – e amava! – era ouvir as músicas para dissecar as letras e entender formas de se encaixarem melhor na narrativa.
Você já tinha participado do roteiro de outros projetos, como o filme “Maria do Caritó”, baseado em peça homônima estrelada por Lilia Cabral. Considera a série um divisor da sua carreira como roteirista, que está completando 15 anos?
Com certeza. Eu considero a série do Raul um divisor na minha carreira, não só pela visibilidade que o meu trabalho ganhou com a estreia da série, mas também pela epifania que eu experimentei durante o processo de criação. Durante a pandemia, os trabalhos deram uma parada e eu via a preocupação pela violência doméstica contra mulheres. Então, eu decidi ir para Portugal fazer mestrado em Estudos Sobre as Mulheres, na tentativa de trabalhar como socióloga e viver experiências com a minha família fora do país. O resultado foi uma frustração profissional gigante! Daí, o Paulo Morelli (da O2 Filmes) me convidou pra escrever a série, e minha energia vital voltou assim que começamos o trabalho. E eu entendi que não posso deixar de escrever porque criar histórias é onde está minha pulsão de vida.
Além de escrever, você é atriz e chegou a atuar em produções como a elogiada série “A cura”, na Globo. Pensa em escrever projetos para atuar?
Eu estou muito a fim de voltar a atuar. Fui me afastando aos poucos dos palcos e dos sets por causa da maternidade, mas este ano eu abri a Gautu Filmes para desenvolver e produzir projetos autorais, onde eu tenha autonomia de escolher histórias e personagens que eu acredito serem relevantes. O trabalho de estreia da produtora vai ser o curta-metragem “Onde está você agora?”, atualmente em fase de finalização. Escrevi o roteiro para criar a protagonista que eu queria dar vida e estou contente com o resultado.
Temos visto cada vez mais mulheres trabalhando como roteiristas de grandes projetos no audiovisual. Como analisa o espaço feminino no mercado?
As mulheres têm buscado, cada vez mais, ocupar os espaços que desejam no mercado de trabalho, mas acredito que a corrida ainda é injusta. A ONU Mulheres divulgou dados que apontam uma desigualdade salarial de 24% entre homens e mulheres exercendo as mesmas funções no mercado audiovisual. Além de ganharem menos, existe uma desigualdade da divisão de tarefas domésticas e a questão da maternidade, que carrega camadas complexas na relação da mulher com o trabalho. É impossível falar sobre o espaço das mulheres no audiovisual sem considerar questões estruturais que tornam os acessos desiguais.